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terça-feira, 16 de março de 2010

O Culto da Árvore e a I República


por José Neiva Vieira

A implantação da República a 5 de Outubro de 1910 trouxe à socie-dade portuguesa um conjunto de novos valores e símbolos. Entre estes destaca-se o culto da árvore que se associa a outros valores centrais do republicanismo como a fraternidade, a educação e o culto da pátria.

Ao culto da árvore associam-se a realização de manifestações cívico-pedagógicas designadas de Festas da Árvore, a criação da Asso-ciação Protectora da Árvore e a sua meritória acção em prol da árvore e do desenvolvimento florestal do país, a propaganda sistemática a favor da árvore através de festas, conferências, plantações comemora-tivas e publicação de artigos de jornal e livros alusivos, a classificação e protecção das árvores notáveis e ainda uma aposta na reorganização e modernização da Administração Florestal, de que as Conferências Florestais de 1914, 1915, 1916 e 1917 são exemplo, e a intensificação do regime florestal vocacionado para a arborização das dunas do lito-ral e do interior montanhoso e serrano.
Cartaz da 1.ª Festa da Árvore na Amadora

A FESTA DA ÁRVORE

As primeiras Festas da Árvore iniciaram-se em Portugal na fase muito final da Monarquia por iniciativa de organizações republicanas.

A 26 de Maio de 1907 realizou-se no Seixal a 1.ª Festa da Árvore, promovida pela Liga Nacional de Instrução, criada para promover a instrução nacional e princi-palmente o ensino primário popular. Destacam-se na sua organização duas figuras ilustres da Maçonaria – António Augusto Louro que presidiu à Comissão que pro-moveu a Festa da Árvore e Manuel Borges Grainha da Liga Nacional de Instrução. A Festa foi um enorme sucesso ao qual aderiram alunos, professores e população do Seixal mas também destacados cidadãos e populações das proximidades.

Nesse mesmo ano, também promovida pela Liga Nacional de Instrução, a 19 de Dezembro, realizou-se em Lisboa, com o apoio da Câmara Municipal, outra Festa da Árvore que mobilizou os estudantes das principais escolas da capital.

Estava assim iniciado um movimento cultural e cívico de celebração dos benefí-cios da Árvore e da Floresta, constando essencialmente da plantação de árvores, de um ambiente festivo e de discursos de propaganda a favor da árvore.

O panorama florestal do país era propício a este movimento dada a significativa desarborização em que se encontrava e as necessidades crescentes em madeira. Ao longo do século XIX tinha-se processado uma significativa desarborização de folho-sas, nomeadamente carvalhos e castanheiros, as serras do interior estavam profun-damente erosionadas e era necessário secar pântanos e fixar dunas através da arbori-zação. Logo no princípio do século (1901, 1903 e 1905) é estabelecido o Regime Florestal, base jurídica para uma vasta acção do Estado em prol da arborização, nomeadamente em Baldios, começam os primeiros trabalhos de arborização nas ser-ras e continuam os trabalhos de fixação de dunas.

Em 1908 a Direcção Geral de Instrução chamou a si a responsabilidade de promover a generalização da Festa da Árvore a todas as escolas do país tendo sido a Liga Nacional de Instrução, de que era Presidente Bernardino Machado, a grande dinamizadora das Festas até 1912.

Neste período referenciam-se Festas da Árvore em Lisboa, Porto, Coimbra, Leiria, Aveiro, Santarém, Castelo Branco, Évora, Alcáçovas, Alcobaça, Lourinhã, Barreiro, Seixal, Moita, Fundão, Almodôvar, Lousã, Montemor-o-Novo, Amadora e em tantas outras terras.

Em 1912 o Jornal “O Século Agrícola” chama a si a liderança das Comemora-ções lançando uma forte campanha de propaganda à escala nacional, que encon-trou o maior eco junto dos governantes, dos agricultores, das escolas, das associa-ções e das autarquias. Presidente da República, Ministros e altos responsáveis da administração pública e do poder local presidem às comemorações. Agricultores, viveiristas e Serviços Florestais asseguram o fornecimento das árvores a plantas. As acções de propaganda eram asseguradas pelos professores, por prestigiados agricultores e técnicos agronómicos e florestais e ainda pelos sócios da Associação Protectora da Árvore, constituída formalmente em 1914 com vista à “propagação, defesa e culto da árvore”. Esta associação, liderada pela figura ilustre do Dr. José de Castro, reconhecida pelo Governo como de Utilidade Pública, editou diverso material de propaganda nomeadamente brochuras e postais, assumiu posições públicas sobre as vantagens do regime florestal e da arborização, a defesa das árvo-res monumentais, e o apoio à Festa da Árvore. Editou ainda uma revista de que saíram 6 números nos anos de 1914 e 1915 em que, a par de informações e artigos técnicos, se divulgam poemas em louvor da árvore, máximas florestais e discursos apologéticos sobre os benefícios da arborização.
Árvores monumentais dessa época

De 1912 a 1915 decorreu o período áureo das festas da Árvore, sendo 1913 o seu ano de eleição.
A implantação da República em 1910 criou um quadro político propício às grandes campanhas cívicas e de esclarecimento dos cidadãos, como é tradicional, quando há mudanças drásticas de regime. E a Festa da Árvore enquadrava-se nesse espírito. Daí o grande entusiasmo dos vultos republicanos à volta destas iniciativas mas também a reserva, se não hostilidade, de forças conservadoras que viam nestas comemorações uma forma hábil de penetração dos novos ideários em meios, nomeadamente rurais, onde não tinham tradicional implantação. Tentativas de boi-cote, campanhas na imprensa e arranque das árvores plantadas foram algumas das acções promovidas contra a Festa da Árvore.

Para ilustrar essa polémica transcrevem-se 2 excertos de Jornais de 1914.

A FESTA DA ÁRVORE

Festa simpática das crianças explorada pela Maçonaria/Os católicos não podem colaborar nesta festa naturalista e ateia permitindo que os seus filhos nela se incorporem /Arregimentem os filhos dos livres pensadores.

Realiza-se no dia 15 nesta cidade como decerto em todo o país, a chamada festa da árvore, que podendo ser em si uma festa simpática e proveitosa à educação das crianças, está sendo nesta malfadada terra portu-guesa explorada pelo sectarismo maçónico que lhe manda imprimir a feição panteísta e genuinamente pagã.

Como portugueses e como católicos que nos prezamos de ser aqui deixamos consignado desde já o nosso mais veemente protesto contra o abuso que se está fazendo da liberdade de consciência, forçando milhares e milhares de crianças, na sua quase totalidade filhas de pais católicos e elas próprias católicas a enfileirarem numa festa mais do que pagã.

Para festas desta natureza compreendia-se que fossem arregimentados os filhos dos livres pensadores, mas forçar os filhos dos católicos a comparecer nelas é uma violência sem nome.

Por isso mais uma vez lamentamos que certos católicos, enfileirando ao lado de pessoas reconhecida e notoriamente inimigas da Igreja levassem o seu zelo por uma causa tão infeliz até ao ponto de subscreverem à carta circular que foi profusamente espalhada pela cidade.

A Democracia (Covilhã) 1914
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O MAL GERA O MAL

As árvores plantadas pelas crianças das escolas foram arrancadas e lançadas a terra pelos que teimam em ver na Festa da Árvore um culto pagão e não um culto de civismo.

Este facto, como é natural, indignou profundamente todos quantos não andando obsecados por idolatrias dogmáticas, sentem a utilidade, a benéfica influência na educação infantil e até no próprio espírito do povo, da realização de festas como a da árvore.

Pode enfim esse bando escuro do retrocesso manobrar à vontade, mandando arrancar, cortar, lançar por terra as amigas e benfazejas árvores que os batalhões infantis alegre e festivamente plantaram aos olhos de uma multidão comovida e contente que sem por isso a festa querida deixará de realizar-se, aqui e em todo o país, numa apoteose de luz, de amor e de verdade!

Que mal encerra dizer à criança que deve amar a terra, que deve fertilizá-la pelo seu esforço, que deve ungi-la com a graça dos seus hinos e cânticos?!

Não tem padres a festa, nem nela se observa a liturgia romana? E é isso coisa necessária para que a árvore crie raízes, cresça, lance a ramagem, frutos e flores?

Não surgiu a Festa da Árvore por uma mera especulação teórica. A festa da árvore teve e tem em vista, não satisfazer simbolismos novos, liturgias novas, mas criar fontes de riqueza.

Aprendam no exemplo de S. Francisco de Assis a amar a Deus nas plantas, nos animais, em todas as coi-sas da criação!

Jornal de Guimarães, 1914
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O Jornal “O Século Agrícola” foi dando a conhecer todas as iniciativas programadas, as contribuições das diversas entidades para a Festa, nomeadamente as árvores disponibili-zadas pelos viveiristas e Serviços Florestais, as palestras promovidas em escolas e o relato das Festas da Árvore realizadas por todo o país.



A “Ilustração Portuguesa” edição semanal do jornal “O Século” dá-nos interessantes reportagens fotográficas do que foi a Festa da Árvore nessa época.
“Ilustração Portugueza” n.º 425, 13 de Abril de 1914


“Ilustração Portugueza” n.º 479, 26 de Abril de 1915


E a par das festas escolares e colectivas “O Século Agrícola” dá igualmente conta nas suas páginas das muitas festas particulares também dedicadas à árvore, o que se exemplifica com duas pequenas referências saídas no jornal em 18 de Fevereiro de 1915:

“Os meninos António e Joaquim de Sousa Ribeiro, da rua de Costa Cabral, no Porto, já nos solicitaram árvores para levarem a efeito a sua festa íntima, no jardim da sua casa e sob a direcção de seus pais.”

“A Sr.ª D. Egeménia de Oliveira Lopes, residente em Argozêlo (Vimioso) faz igual-mente a plantação festiva de árvores que O Século Agrícola lhe fornecerá, para alegria e ensinamento dos seus quatro pequeninos filhos.”

Muitas das palestras proferidas nas Festas da Árvore foram editadas em brochuras para divulgação sendo de referir A Serra, as Pastagens e os Gados de Tude de Sousa (Gerês, 1914), a Arborização como Função Económica e a sua Influencia na Agricultura e na Pecuária de Júlio Mário Viana (Viseu, 1916), a Apologia da Árvore de Guilherme Felgueiras (Arbor Day, 1913) e o Culto da Árvore de Manuel Vieira Natividade (Alcobaça, 1913).

É nesta época, associado à Festa da Árvore, editado o livro de poemas “A Alma das Árvores” de António Correia de Oliveira.

A Festa da Árvore adoptou o “Hino das Árvores” com versos de Olavo Bilac e música de Aboim Foios como seu hino oficial.

Excerto de "O Culto da Árvore e a I República" de José Neiva Vieira, Lisboa, Fev.2010




 

2 comentários:

Eça República Centenária disse...

Cada vez está melhor. Muito interessante. É pena que os nossos colegas não partilhem mais estas informaçóes. Será que havia muitos a saber do culto da Árvore? Muito interessante!

Anónimo disse...

recolha muito interessante, sobre
o culto da árvore e a sua ligação aos direitos civicos. Parabéns