1. Há momentos na vida das pessoas, das comunidades e dos povos que marcam rotas de séculos. O 5 de Outubro de 1910 foi um deles. Teve, porém, um preâmbulo. No Porto, como havia sido já em 1820. Foi o 31 de Janeiro de 1891. Quando um punhado de republicanos, sob a orientação de Manuel Alves da Veiga, avançou, e a revolta foi esmagada.
O divórcio entre o regime e o povo, tal como entre os ideais liberais e a monarquia constitucional, implantada em 1836, vinha-se cavando cada vez mais até ao Ultimato inglês de 11 de Janeiro de 1890. Este exigia a retirada de Portugal do território compreendido entre Angola e Moçambique (actuais Zimbabwe e Zâmbia). A cedência por parte da coroa portuguesa foi vista como uma humilhação pelos republicanos.
Tomado o edifício dos Paços do Concelho, proclamada a República e o novo governo provisório, ao irem dar a notícia ao país pelo Telégrafo, dão com a Guarda Municipal na Praça da Batalha. Avançam, convencidos de que ela não interviria. São, porém, recebidos com fogo, aí deixando uma dúzia de mortos e duas dezenas de feridos.
2. Que se iniciou ao comemorar no passado fim de semana no Porto, no início do Centenário da República, apenas isto? Claramente que não. A resposta do Presidente da Comissão Nacional das Comemorações, Artur Santos Silva passa pelo seguinte:
“Estas comemorações justificam-se para divulgar a memória da I República e dos ideais republicanos, bem como para celebrar um momento marcante da nossa História. Importará, embora modestamente, contribuir para que os cidadãos se aproximem mais das actividades cívicas e políticas.
Mas importa, sobretudo, aproveitar esta oportunidade para promover a divulgação e a consciencialização dos valores e ideais republicanos, contribuindo para que todos se sintam mais mobilizados para ajudar a construir uma República mais justa e mais solidária.” (Público, 31/01/10: 5).
Santos Silva afirmaria na abertura das comemorações na Câmara do Porto que: “mais de 500 iniciativas” programadas para estas comemorações como momentos de renovação, regeneração, reflexão e procura de soluções para uma República “mais moderna, mais eficiente e mais democrática”. (Público on-line, 31/01/10).
Para o Presidente da República, as comemorações devem ser uma “oportunidade ideal” para renovar os valores republicanos, como “o amor à pátria e a ética na vida política”, “a semente de um novo espírito de cidadania”, em “nome dessa esperança colectiva que se chama Portugal”. (Público on- -line, 31/01/10).
Também o primeiro-ministro de Portugal apelou aos portugueses para se unirem “numa comunidade com projecto de futuro”, lembrando que, com a democracia, são “um povo que em liberdade escolhe o seu futuro”. (Público on-line, 31/01/10).
3. Herdada a República como património colectivo cívico, ético e moral – um regime sem senhores nem amos, no qual a igualdade se materializa exponencialmente em todos os cidadãos – a concretização, em liberdade, destas virtudes essenciais é sempre imperfeita. O mesmo se diga da solidariedade e da dignidade de pessoas e instituições.
Mais, em República, essas virtudes estão em risco permanente, sempre que cada um as não visa, diariamente, nos seus limites. E este é, porventura o maior desafio das comemorações: levar cada um dos nossos concidadãos a compreender e viver os ideais liberais que a monarquia constitucional, em finais do século XIX e no início do século XX, perdeu de vista.
Desses ideais, a República futura, segundo Amadeu Carvalho Homem, Professor de História na Universidade de Coimbra, não pode deixar de:
“manifestar confiança entre eleitores e eleitos”, garantir “a liberdade religiosa num Estado neutral”, “responsabilizar a família e a escola no aprofundamento cívico e cultural” e “exigir uma acção de elevadíssimo serviço público” aos cidadãos que ocupam a governação e a representação nacionais. (30/01/10, Ateneu do Porto).
J. Esteves Rei - Professor Catedrático de Didáctica das Línguas e de Comunicação, na UTAD, Vila Real
publicado por Correio da Educação
Sugestão de Paula Faia
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